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domingo, 26 de fevereiro de 2012

A pedagogia do esporte

A PEDAGOGIA DO ESPORTE E O SIGNIFICANTE
Prof.ª Dr.ª Fernanda Ramirez

Imagem retirada de Getty Images
Acredito que a conquista da pedagogia é o reconhecimento de que o aluno, o atleta, é o eixo central do processo. Mais ainda, de que o professor, o treinador e o técnico também o são. 

E isso, muitas vezes, passa a ser novidade em se tratando de pedagogia. Colocar alunos, atletas, professores, treinadores e técnicos, todos como sujeitos da prática pedagógica, e ao mesmo tempo. 

Por certo que há um vice-versa evidente. Mas quem é esse aluno, esse atleta, para professores, treinadores e técnicos? E os professores, treinadores e técnicos, o que são para esse aluno, para esse atleta? 

A psicanálise deu a esse movimento o nome de transferência. Num primeiro momento durante o processo analítico entre paciente e psicanalista. Até que, pelos traços da semelhança, a ideia assumiu a pedagogia na relação professor-aluno. Daí para adiante, um passo para o esporte e outras relações sociais que nos caem aos olhos. 

 Fato: há uma crença de que basta saber como o aluno em geral funciona - o indivíduo das teorias de aprendizagem e desenvolvimento - para saber como ele se apresenta na prática, de forma especifica. Muitas dessas teorias compreendem o aluno inalterável no tempo e no espaço, lugar de onde surge o caráter incondicionado, estático, imóvel de todas as leis que dirigem (e talvez essa não seja a palavra mais adequada) o desenvolvimento, e de forma que basta os alunos serem estimulados de um lado para que eles respondam de outro. 

A crença é de que os professores transmitem e os alunos aprendem. E de certa forma isso realmente acontece. Mas os professores, muitas vezes, são preparados para, apenas, entenderem um significado, um único sentido da fala do aluno. Nesse caso, o que eles acabam não percebendo é que as elaborações dos alunos podem ter sentidos totalmente distintos daqueles originariamente apresentados por eles, em suas concepções próprias sobre o que é o esporte. É aí que, então, os alunos vivenciam apenas o conhecimento proveniente de informações, isso é, as pré-concepções, os modelos prévios e estabelecidos, que também funcionam, diga-se em passagem, mas o que falta é elaborar um saber próprio a respeito do próprio processo. 

Para a psicanálise existe uma diferença entre o informar e o transmitir, sendo que a marca dessa diferença se estabelece pelo saber. Enquanto o informar refere-se à veiculação e ao acúmulo de dados, o transmitir remete a um circuito maior, em que é preciso que o aluno tome em suas mãos o que aprendeu e passe a operar com aquilo. Não basta que ele fique apenas com o conteúdo ensinado, é preciso que se estabeleça um saber a respeito do que foi ensinado. 

O modelo de informação linear (em que o professor é aquele que tudo sabe e o aluno aquele que, nada sabendo, aprende com ele) tem sofrido várias críticas. Fica evidente que, nesse sistema ensina-se prescritivamente a ser professor do mesmo modo que se ensina a ser um aluno que, sob essa ótica, está dispensado de pensar uma vez que as táticas, as jogadas e o que fazer com o próprio corpo acabam sendo determinados pela figura do professor e/ou treinador. 

Se fosse possível estabelecer uma resposta àquilo que o aluno quer em relação à aprendizagem, seria a de que o professor pudesse devolver para ele, aluno, o significado daquilo que ele disse, e mais, que este professor e/ou treinador autorize este aluno e/ou atleta ao jogo como se fosse, em termos leigos, um alguém que lhe confirme, que lhe diga que ele sabe, sim, jogar, e de seu próprio jeito. Aqui poderíamos acrescentar outras formas de reconhecimento por pares, por assim dizer. O esporte é rodeado de instrumentos, de conhecimentos, representações sociais, políticas e instituições como família, torcida, mídia, dentre outras. E todos têm um determinado saber sobre o esporte. 

Para dizer dos alunos, como sujeitos do inconsciente, muitas vezes eles não sabem que sabem. Esse é o desafio. Se fosse possível estabelecer uma metáfora para isso que a psicanálise chama de Sujeito Suposto Saber, seria a de uma marca inconsciente - ali pra dentro de onde a gente não tem controle, são sabe e que expulsa através dos chistes, dos sonhos e dos atos falhos - que precisa explodir, sair para fora, ser despertada. 

Eu, como professora, como idealista, como alguém cheia de sonhos, acredito que esteja aí, nesta individualidade que muitas vezes não se dá conta, o lugar de onde surge o imprevisto, a base da criatividade. 

Desta forma, o processo de aprendizagem consiste em fazer com que este saber (próprio de cada um) chegue ao nível da consciência - ou próximo disso - e que, então, surja o estalo. Rupturas. Este é o jogo, extrair do aluno aquilo que ele próprio sabe, mesmo que na prática pedagógica isso atinja técnicas e táticas específicas para um e outra modalidade. 

Diria haver um algo que complementa mas que não atinge a totalidade pois não há teoria capaz de captar o sujeito em sua totalidade. A repetição, aqui, é importante, tanto quanto o método de associação livre em que o sujeito remonta os fundamentos organizados de sua atividade esportiva. 

É possível dizer que todo esse movimento advém da articulação significante em que um significante intervém numa bateria significante representando o sujeito. 

E se fosse possível estabelecer uma pedagogia através dessa concepção do que a psicanálise entende por significante, não haveria uma sequencia obrigatória de ações esportivas, mas sim uma articulação entre elas: drible e passe; corpo e bola; corpo, bola e drible, etc, retomados em termos significantes naquilo que uma nova ação marca a anterior e onde se cria uma nova leitura para o jogo criativo, de lances imprevistos e com aquilo que popularmente se chama esporte-arte.

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